Cantoral Nacional para a Liturgia: um novo «livro litúrgico»

Pode dizer-se que o «Missal Romano», como livro litúrgico, é uma criação do segundo milénio. Resulta da recolha organizada de «material» litúrgico, antes disperso por outros livros e recolhas, feitos para o uso dos diferentes ministérios, ofícios  e funções que cooperavam para a realização das diferentes celebrações: o sacramentário (para o presidente), os leccionários de diverso tipo (os ministros da Palavra), os Graduais e Antifonários (para os cantores), os ordinários (com a descrição dos ritos e seu cerimonial), etc.

Houve um período na história da Liturgia Ocidental em que o presbítero concentrou a absorveu as funções dos demais ministros e chegou, mesmo, a generalizar-se a celebração da missa impropriamente dita «privada», isto é, em que o sacerdote celebrava sem ministros, normalmente com um só «ajudante». Para tal, precisava de um livro com «tudo»: orações, leituras, cânticos (reduzidos à recitação das antífonas com algum versículo), ordinário da missa… E, por isso, se organizou o missal, chamado «plenário» porque recolhia tudo aquilo de que o padre necessitava para a celebrar a Eucaristia dispensando e ignorando outros contributos ministeriais… Só nas Missas solenes é que estavam previstos ministros e coro.


O II Concílio do Vaticano pôs em movimento uma reforma litúrgica que, decididamente, superou a redução clericalista em nome de uma nova eclesiologia de comunhão: todo o povo santo de Deus, na sua rica diversidade hierárquica e ministerial, é sujeito da liturgia, sendo-lhe reconhecido o direito e dever de participar nas ações litúrgicas, desempenhando diferentes ministérios, ofícios e funções. O Concílio formulou mesmo uma «regra de ouro» que convém recordar: «Nas celebrações litúrgicas, cada qual, ministro ou fiel, ao desempenhar o seu ofício, fará tudo e só o que lhe competir, segundo a natureza da ação e as normas litúrgicas» (SC 28).


E ressurgiram, com nova configuração, os antigos livros litúrgicos: O «missal» deixou de ser um só livro e passou a ser uma «coleção» que inclui: o impropriamente chamado «missal» (que, na verdade, é um «sacramentário» + um ordinário) e os Leccionários (8 volumes na edição portuguesa). Faltam a esta «coleção» os livros para o canto na celebração em vernáculo. Em Latim existem o «Ordo Cantus Missae», o «Graduale Romanum», «Graduale Simplex» e outros. E em Português? Diferentemente de outras tradições culturais (germânica, anglo-saxónica…), não havia música litúrgica portuguesa. Havia composições de música «religiosa», composta sobretudo para os atos de piedade e as devoções.


À data da reforma litúrgica, os compositores tinham diante de si a ingente tarefa de criar, quase do nada, todo um repertório de cânticos para os diferentes momentos do ordinário da Missa, do «próprio» do tempo e do santoral, dos «comuns», das missas para diversas circunstâncias, rituais, votivas e de defuntos, para a celebração dos sacramentos, sacramentais, exéquias e Liturgia das Horas… Foi e é um trabalho quase inimaginável! E com o gravíssimo inconveniente de, frequentemente, trabalharem sobre textos litúrgicos «provisórios», com versões que vão sendo ultrapassadas com a perda quase irreparável da produção musical vinculada ao texto dessas «versões beta». Porque uma das principais notas distintivas da música litúrgica é, precisamente, o «casamento» indissolúvel da melodia com o texto.


Em julho passado aconteceu história. Mandatado pela Conferência Episcopal, liderado pela Comissão Episcopal de Liturgia e Espiritualidade, com a confirmação da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos o Serviço Nacional de Música Sacra e o Secretariado Nacional de Liturgia publicaram o «Cantoral Nacional para a Liturgia». Não é mais uma entre tantas recolhas de cânticos à disposição dos coros e das assembleias: é uma referência essencial para a renovação das nossas celebrações litúrgicas. É, diremos, um passo decisivo para a recriação de um novo livro litúrgico. Para que, também no canto, a Liturgia volte a ser o «culto da Igreja», a voz da Igreja que canta a sua fé, glorificando a Deus e santificando os homens.



Secretariado Diocesano de Liturgia da Diocese do Porto, Voz Portucalense, 31.

2019-09-16 00:00:00