Questões e respostas
Os cânticos do Ordinário da Missa (Glória, Salmo e Santo)
Os responsáveis da coordenação litúrgica na minha paróquia dizem que não podemos cantar o Salmo em dueto, só podemos cantar o Glória de acordo com a letra do Glória, não podemos bater palmas no Santo, e muitas outras coisas. Se puderem esclarecer essas incógnitas agradeço.
Segundo nos parece, alguém deve ter dito aos ministros da liturgia da Paróquia onde habitualmente celebra a Eucaristia, que certas formas de realizar determinados ritos não eram as mais correctas. Por exemplo, cantar o Salmo Responsorial em dueto, cantar o Glória com uma letra diferente daquela que vem no Missal Romano, bater palmas durante o canto do Santo, e muitas outras coisas.
Os três exemplos concretos apresentados são todos de cânticos da Missa. O primeiro, na ordem de execução, é o Glória a Deus nas alturas, que pertence aos Ritos Iniciais. Trata-se, diz a Instrução geral do Missal Romano (n. 53), de “um antiquíssimo e venerável hino com que a Igreja, congregada no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus e ao Cordeiro”. As suas primeiras palavras são tiradas do Evangelho de S. Lucas (cap. 2, v. 8-20), que transcrevo:
[«Na mesma região (de Belém) encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite.Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.» De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.» Quando os anjos se afastaram deles em direcção ao Céu, os pastores disseram uns aos outros: «Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer.» Foram apressadamente e encontraram Maria, José e o menino deitado na manjedoura. Depois de terem visto, começaram a divulgar o que lhes tinham dito a respeito daquele menino. Todos os que ouviram se admiravam do que lhes diziam os pastores. Quanto a Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração. E os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido, conforme lhes fora anunciado»].
Foi a partir das palavras acima sublinhadas que, nos primeiros tempos da Igreja, os nossos irmãos na fé escreveram o hino Glória a Deus, glorificando em primeiro lugar o Pai:
“Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.
Senhor Deus, Rei dos Céus, Deus Pai todo-poderoso.
Nós Vos louvamos, nós Vos bendizemos,
nós Vos adoramos, nós Vos glorificamos,
nós Vos damos graças por vossa imensa glória”.
Logo a seguir, e de modo mais desenvolvido, cantam o Cordeiro de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho unigénito de Deus Pai:
“Senhor Jesus Cristo, Filho Unigénito,
Senhor Deus, Cordeiro de Deus, Filho de Deus Pai:
Vós que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós;
Vós que tirais o pecado do mundo, acolhei a nossa súplica;
Vós que estais à direita do Pai, tende piedade de nós.
Só Vós sois o Santo;
só Vós, o Senhor;
só Vós, o Altíssimo, Jesus Cristo”.
E por fim, de modo muito breve, o Espírito Santo:
“Com o Espírito Santo, na glória de Deus Pai. Amen”.
Trata-se de uma verdadeira profissão de fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo, em tom de louvor, de adoração e de súplica. Compreende-se, por isso, o que diz o citado n. 53 da Instrução Geral: «Não é permitido substituir o texto deste hino por outro». Quando muito, os compositores podem intercalar um refrão para o povo cantar, entre cada uma das três estrofes. Assim se fez em Portugal, com o refrão: «Glória a Deus, na terra e nos Céus, glória, glória, paz na terra».
Como se pode cantar o Glória? De muitas maneiras, diz o mesmo n. 53: «É começado pelo sacerdote ou, se for oportuno, por um cantor, ou pelo coro, e é cantado por todos em conjunto, ou pelo povo alternando com o coro, ou só pelo coro. Se não é cantado, é recitado ou por todos em conjunto ou por dois coros alternadamente».
Passemos ao segundo cântico referido pela nossa consulente, que é o Salmo Responsorial. Ele pertence, como sabe, à Liturgia da Palavra. Vem sempre a seguir à primeira leitura. É parte integrante da liturgia da palavra e tem, por si mesmo, grande importância litúrgica e pastoral, pois favorece a meditação da palavra de Deus.
À semelhança do Glória, também o salmo responsorial pode cantar-se de muitas maneiras, como se lê na Instrução geral (n. 61): «Convém que o salmo responsorial seja cantado, pelo menos no que se refere à resposta do povo. O salmista ou cantor do salmo, do ambão ou de outro sítio conveniente, recita os versículos do salmo; toda a assembleia escuta sentada, ou, de preferência, nele participa de modo habitual com o refrão, a não ser que o salmo seja recitado todo seguido, sem refrão. Todavia, para facilitar ao povo a resposta salmódica (refrão), fez-se, para os diferentes tempos e as várias categorias de Santos, uma selecção de responsórios e salmos, que podem ser utilizados, em vez do textos correspondente à leitura, quando o salmo é cantado. Se o salmo não puder ser cantado, recita-se do modo mais indicado para favorecer a meditação da palavra de Deus».
Como vê, caríssima consulente, há aqui muita coisa a explorar. É verdade que se fala do salmista ou cantor do salmo, e nunca dos salmistas ou cantores do salmo, como também não se fala de coro ou de coros, nem tão pouco de cântico em dueto. Porquê? Porque é muito importante que as palavras do salmo se percebam todas muito bem, e isso consegue-se melhor quando é uma única voz a cantar ou a dizer os versículos do salmo. Experimente por si própria e verá que é assim.
Pode acontecer que um salmista ou uma salmista não se sintam seguros quando começam a ser cantores do salmo responsorial. Nesse caso é permitido que sejam dois ou duas a estar no ambão, até cada um deles ou delas ficar seguro e à vontade. O mesmo se diga quando o salmista ou cantor é uma criança. Se o facto de estar a cantar sozinha diante da assembleia lhe causa dificuldades, é permitido que sejam duas ou três crianças a cantar ou a entoar o refrão e a cantar ou entoar os versículos do salmo, até adquirirem o à vontade necessário para cada uma o fazer bem e sozinha. Mas logo que isso seja possível, o ideal é que cada salmista ou cantor do salmo o cante sozinho. Muitas vezes, para se chegar ao ideal, é preciso passar por etapas intermédias. Mas não se deve ficar durante muito tempo, por inércia ou por gosto pessoal, a fazer o contrário daquilo que as normas litúrgicas propõem como melhor. A celebração litúrgica não é um espectáculo musical, mas um momento de oração comum em que tudo deve tender para ajudar os participantes a um diálogo pessoal com Deus. É por isso que as formas mais simples e despojadas no exercício de cada ministério são, regra geral, de preferir a outras mais sofisticadas e complexas.
Chegamos, por fim, ao Santo. Diz a Instrução geral (n. 79 b) que se trata de uma aclamação de toda a assembleia, em união com os coros celestes. O Santo faz parte da Oração Eucarística, e é proferido por todo o povo juntamente com o sacerdote.
Chamo a sua atenção para a palavra aclamação. Há certas melodias do Santo que têm pouco de aclamativo. Talvez seja por isso que apetece, por vezes, bater palmas, para compensar a falta de entusiasmo solene da música. E não estará mal que se faça de vez em quando, sobretudo em celebrações com crianças e jovens. As palmas são, na linguagem gestual, a forma mais espontânea de aclamar alguma coisa ou alguém. Por alguma razão o salmo 46 (47) nos convida a bater palmas: «Povos todos, batei palmas, aclamai a Deus com brados de alegria».
Mas não se deve fazer isso de modo habitual, porque a liturgia não o propõe. A forma mais litúrgica de aclamar a Deus é cantar o Santo com arte e com alma, como o diz o salmo 32 (33): «Cantai a Deus um cântico novo, cantai-Lhe com arte e com alma». Com arte e com alma quer dizer compreendendo que ele tem uma estrutura que deve ser respeitada e um texto que não deve ser substituído, pois todo ele é bíblico, e nenhum texto litúrgico iguala a dignidade daquele que foi inspirado por Deus, para servir de inspiração à nossa própria oração:
“Santo, santo, santo, Senhor Deus do universo.
O Céu e a terra proclamam a vossa glória” (Is 6,3).
Refrão: Hossana nas alturas (Mt 12,9).
“Bendito O que vem em nome do Senhor” (Jo 12, 3).
Refrão: Hossana nas alturas.
Há Santos que não respeitam esta estrutura e que, por isso, não podem chamar-se litúrgicos. Na liturgia, sobretudo da Missa, eu prefiro sempre o que a Igreja me propõe, e digo não àquilo que me é oferecido, em alternativa, por um qualquer autor que o tenha escrito por sua conta e risco. A nossa fé é a fé da Igreja, como cantamos quando se baptiza uma criança: «Esta é a nossa fé. Esta é a fé da Igreja, que nos gloriamos de professar, em Jesus Cristo, Nosso Senhor». A cada coisa o seu lugar. Há momentos em que nos faz bem cantar coisas nossas ou de alguém que tenha verdadeira inspiração. Mas a liturgia é outra coisa. A liturgia é a celebração da fé Igreja, que é a nossa fé, quando a celebramos em união com a Igreja que a preparou e no-la oferece para que, em toda a parte, o louvor que se eleva para Deus seja o mesmo no coração e nos lábios dos crentes, onde quer que se encontrem. E não me diga que isso é monótono. Para mim, a repetição das mesmas coisas, na liturgia, nunca me enfada. Pelo contrário, torna-me livre para ir mudando pequenos pormenores, onde e quando a Igreja permite que se mudem ou me convida a fazê-lo.
Um colaborador do SNL
(BPL 135-136)