Questões e respostas
Baptismo de uma criança em que os pais não estão casados
Gostava que a minha filha, recém-nascida, recebesse o baptismo. Acontece que eu e a mãe da minha filha vivemos juntos, nunca fomos casados, nem civil nem religiosamente, e a nossa participação na paróquia é nula. Já os padrinhos, são cristãos muito activos. A nossa filha não pode ser mesmo baptizada se nós não formos casados?
Vou partir da hipótese que o pai e a mãe são baptizados, e responder em consonância. Nas alíneas que se seguem, a doutrina da Igreja vai a negrito. Os meus comentários, vão em texto normal e itálico.
Relativamente ao baptismo das crianças a Igreja considera duas situações: as crianças em perigo de morte e as crianças saudáveis.
1.º Se a criança se encontra em perigo de morte, seja baptizada sem demora, o que é lícito fazer mesmo sem o acordo dos pais, e até no caso de se tratar de filho de pais não católicos (Ritual do Baptismo das Crianças, (=RBC), Preliminares 8, 1)
Esta norma da Igreja tem em conta, em primeiro lugar, a salvação eterna da criança. Por isso, na situação de perigo de morte, ela manda aos seus ministros que passem por cima de todas as leis, regras e princípios. Não perguntem nada, não queiram saber de nada, tenham apenas em conta que a criança que lhes é apresentada não morra sem baptismo. Porquê? Porque a Igreja acredita e leva a sério a palavra de Jesus a Nicodemos: «quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus» (Jo 3,5). Nascer da água e do Espírito significa ser baptizado. A Igreja estima tanto o baptismo que vai até ao ponto de dizer que é lícito que os seus ministros (párocos ou outros) baptizem uma criança nessas condições, isto é, mesmo sem o acordo dos pais, o que pressupõe que a criança é trazida ao baptismo por outros membros da família (avós, irmãos, tios... padrinhos... ou até outras pessoas), mesmo sem o acordo dos pais.
Como é evidente, a Igreja não quer que os ministros vão a casa de ninguém buscar uma criança à força para a baptizar. A criança tem de lhes ser apresentada por alguém. No caso que estamos a considerar, os ministros podem baptizar até mesmo os filhos de pais não católicos, desde que apresentados por alguém. Como vê, há aqui muita coisa que, regra geral, os cristãos ignoram e até mesmo com que não concordam. Mas a Igreja não pede a opinião de ninguém quando expõe a sua fé. O que diz é que a fé cristã é esta. Ninguém é obrigado a aceitá-la. Mas igualmente ninguém pode obrigar a Igreja a fazer aquilo que ela não pode nem deve fazer.
2.º Nos outros casos os pais, pelo menos um deles ou quem legitimamente fizer as suas vezes, devem dar o seu consentimento para o baptismo. Para preparar convenientemente a celebração do sacramento, devem informar quanto antes o pároco, se for necessário mesmo antes do nascimento do filho, acerca do futuro baptismo (RBC 8, 2).
De que pais se trata? Em primeiro lugar, naturalmente, dos pais que o são à face da Igreja. A Igreja não é o Estado nem o Governo. O Estado e o Governo podem ser oficialmente agnósticos, pagãos, ou outra coisa qualquer. A Igreja foi fundada por Jesus Cristo. Tem uma doutrina e uma forma de entender a vida e as coisas..., nomeadamente o casamento dos seus fiéis. Tem o direito e a obrigação de legislar sobre isso e outras realidades, mas só para aqueles que são os seus membros. O Governo, pelo contrário, é escolhido pelos cidadãos e vai fazendo leis, sobre o matrimónio, conforme lhe parece que a maioria dos cidadãos aprova ou deseja, ou como ele próprio entende que deve fazer, independentemente da vontade de quem o escolheu.
E quais são os pais que o são à face da Igreja? Naturalmente são os pais que começaram por ser baptizados, que receberam a Confirmação, que frequentam a Eucaristia dominical, que são membros vivos da comunidade, que casaram pela Igreja, isto é, segundo a vontade de Cristo, que se mantêm unidos e procuram levar uma vida coerente com a fé cristã, que conhecem o pároco e até lhe dizem, como cristãos e amigos, que estão à espera de um filho, e que combinam antecipadamente o que é necessário para o baptismo. Penso que isto é fácil de entender.
Mas nós sabemos que nem todos os casais, mesmo dos que casaram catolicamente, são assim. Basta abrir os olhos e ver. A vida cristã de muitos casais cristãos quase não se distingue da de outros casais não cristãos. E que faz a Igreja nestes casos? A Igreja não é o Estado nem o Governo, volto a dizer. Se um cidadão não faz o que o Estado ou o Governo mandam, é multado ou é julgado e se for caso disso é metido na cadeia. A Igreja não tem cadeias, nem polícia, nem exército. Já houve tempo em que os teve, e não foi bom. Hoje, que voltou a não ter mais do que a sua doutrina e a sua força moral, ela analisa, dialoga, faz propostas a todos os casais cristãos que se lhe apresentam a pedir o baptismo dos filhos. Para quê? Para que esse baptismo não corra o risco de ser apenas um rito. Isso ela quer evitá-lo a todo o custo. Porquê? Porque acredita que o baptismo é uma realidade sagrada, que não deve ser tratada de qualquer forma.
Chamo a atenção do consulente para o seguinte: continuo a falar de casais cristãos. Ainda não cheguei, portanto, ao seu caso. Lá irei, se tiver paciência para continuar a ler esta resposta, que não pretende ser apenas resposta fria e anónima, mas sim catequese honesta, séria e com alguma profundidade. Gosto de aproveitar as ocasiões que me são dadas, embora eu próprio não ande à procura delas. Elas é que vêm ter comigo, como no seu caso. Também chamo a sua atenção para o facto de não estar a comentar textos meus, inventados à última hora, mas documentos da Igreja, da sua e minha mãe na fé, se for o caso de ser baptizado. Eu sou baptizado, e creio que só a Igreja, no seguimento de Cristo, tem neste mundo palavras e ensinamentos que nos podem levar à vida eterna. Por isso gosto tanto do que ela me ensina e faz por mim.
3.º A celebração do baptismo deve fazer-se dentro das primeiras semanas após o nascimento da criança. Se faltar totalmente a esperança fundada de que ela irá ser educada na religião católica, o baptismo deve ser diferido, segundo as normas do direito particular, explicando-se o motivo aos pais (RBC 8, 3).
A primeira a desejar que o baptismo das crianças se faça quanto antes é a Igreja. Os pais, quando pensam no baptismo dos filhos, têm em conta muitas coisas exteriores: a festa, os amigos, as finanças do casal, etc. A Igreja tem apenas uma: que a criança seja pagã o menos tempo possível e seja cristã o mais depressa possível. É aí que radica esta sua “pressa”. Em motivos de fé.
Mas pode haver razões que a levem a tomar outra atitude. A primeira e mais fundamental é esta: quando a vida do casal (volto a dizer, do casal cristão) não deixa qualquer esperança fundada de que a criança, uma vez baptizada, seja futuramente educada na fé católica. Quais são os casos em que isso é previsível que venha a acontecer? São muitos. Um deles é este: o próprio casal, apesar de ter casado pela Igreja, não tem qualquer vida comunitária na paróquia, que é a família dos cristãos, nem na sua igreja paroquial, que é a casa comum dessas famílias. Isto costuma dizer-se por outras palavras: os pais não são praticantes. Que esperança fundada pode haver de que tais pais se vão preocupar com a educação cristã do filho ou filha? São eles os primeiros a não se preocupar com a sua própria formação!
Outro caso é o dos casais que já têm vários filhos, todos eles baptizados, sem que nenhum deles tenha frequentado ou frequente a catequese. Que esperança fundada pode haver de que irá ser diferente com o novo filho?
Outros pais casaram pela Igreja, mas a vida de ambos ou de algum deles, não tem nada a ver com o Evangelho! Eles não vivem em matrimónio cristão. Aqui as situações podem ser as mais diversas, mas a mais chocante é aquela em que o pai e a mãe têm outras “vidas” e outras “pessoas” em suas vidas. Que esperança fundada pode aí haver quanto à educação cristã do filho?
Por fim, e chegamos ao seu caso, há pais que não são casados pela Igreja, apesar de ambos serem solteiros e baptizados, e que querem baptizar o filho ou a filha. Como é evidente, as razões desta situação podem ser de novo as mais diversas. Porque não casam apesar de serem solteiros? As respostas costumam ser tantas como os casos. Eu até admiro esses pais solteiros. Manifestam um bom desejo. Querem que a criança seja baptizada. E isso é positivo. Mas não é tudo. Há outros aspectos importantes a ter em conta.
Que diz a Igreja em todos estes casos? Ela não nega o baptismo a nenhuma criança. Mas propõe condições para o vir a fazer. E enquanto elas não se verificarem, adia o baptismo: “O baptismo deve ser diferido”. Diferido não quer dizer negado. Diferido quer dizer adiado por mais ou menos tempo. E aqui a legislação comum abre-se ao direito particular de cada diocese. Cada bispo, com os seus padres, pode prever casos e situações diversas e chegar, como acontece em muitas, a legislar assim. Dou-lhe o exemplo da minha própria diocese:
1. Adie-se o baptismo das crianças, cujos pais, pouco crentes ou praticantes de ocasião, ou ainda em situação canónica irregular:
a) não queiram reconsiderar a sua situação de incoerência com a vida de fé que o baptismo exige;
b) se recusem a remover os obstáculos decorrentes da situação matrimonial em que porventura se encontrem, de modo recuperável (é o seu caso, caro consulente, uma vez que, podendo casar, o não fez ainda ou o não quer fazer no futuro);
c) não eduquem cristãmente os filhos ou não facilitem o seu crescimento na fé, através dos meios que a Igreja lhes oferece;
d) se recusem a fazer a preparação exigida, por ocasião do baptismo de seus filhos.
2. Difira-se para tempo oportuno (idade da razão da criança, modificação das causas do diferimento, etc.) o baptismo das crianças, cujos pais, descrentes ou hostis à fé:
a) não modifiquem a sua atitude;
b) não garantam, por si ou por outros, a educação cristã dos filhos.
3. Uma criança cujos pais não quiseram ou não puderam baptizá-la em bebé, pode vir a ser baptizada a partir dos sete anos (idade da razão), depois de preparação considerada suficiente, feita nos grupos de catequese da paróquia, com o consentimento e a responsabilização dos pais.
Dado que estas normas são claras após uma leitura atenta, não acrescento qualquer comentário. Apenas lhe digo que a resposta do seu pároco está certíssima. Ao dar-lha, não fez mais do que cumprir o seu dever de diferir o baptismo da sua filha e de vos explicar os motivos do seu procedimento. Já agora dou-lhe um conselho amigo: vá ter com ele, mostre-lhe esta resposta, comece a tratar do seu casamento, e verá que o baptismo da sua filha até pode ter sido ocasião providencial para você se aproximar da paróquia onde, neste momento, a vossa participação é nula, segundo diz.
Um colaborador do SNL
(BPL 137-138)