Questões e respostas

Cores das vestes litúrgicas

Podem fazer o favor de historiar a possibilidade de usar paramentos azuis nalgumas Solenidades de Nossa Senhora, e também de utilizar outras cores noutros dias?

 

Fundamento natural das cores

A imensa variedade de cores que povoam a natureza ou que nós próprios conseguimos criar e redefinir, dando-lhes novas tonalidades e acentuações, possui a maravilhosa capacidade de simbolizar realidades e sentimentos humanos. Usamo-las por vezes em sentido convencional e prático (as cores do semáforo), outras vezes como símbolo de uma nação (as cores da bandeira nacional), de uma entidade religiosa (as cores da bandeira do Vaticano), de um organismo internacional (as cores da bandeira da CEE) ou menos prosaicamente de uma associação desportiva (do Sporting, do Benfica ou do Porto) e até, coisa que nada aprecio, de algum partido político.

O simbolismo que se atribui às cores varia de cultura para cultura. No mundo ocidental de raiz europeia e cristã, tal como noutras culturas influenciadas pela nossa civilização, algumas cores exprimem alegria, pureza e festa, como a cor branca. Outras, como a cor vermelha, indica o perigo do fogo ou a intensidade do amor, ao passo que a cor verde se converteu no símbolo da ecologia: a natureza defendida na sua pureza, sem contaminação. Por isso não é de estranhar que também no campo religioso as várias cores tenham sentido simbólico.


Utilização das cores na liturgia


Nos primeiros séculos, a liturgia cristã foi muito despojada em todos os aspectos, por duas razões principais: para não imitar a liturgia judaica nem os cultos pagãos, cujos cerimoniais eram espectaculares; e para não expor demasiado a Igreja às perseguições que acompanharam a sua implantação no vasto mundo romano. Quanto maior fosse a simplicidade e o despojamento em todos os aspectos da vida da Igreja e da sua liturgia, menos dava nas vistas. No que respeita às cores das vestes, não haveria mais distinções do que cores mais alegres para as celebrações festivas e cores sombrias para os dias de penitência.

A cor branca é a única que aparece referenciada nos ritos baptismais, como cor própria dos neófitos: «Nas águas do baptismo fostes revestidos com vestes brancas» (Antologia Litúrgica, n. 1502); «Para a Igreja é uma alegria espiritual ver perto de si a sua família vestida de branco» (Antologia Litúrgica, n. 2027); «As vestes brancas, através das quais se grava na nossa memória, como se fosse uma palavra visível, o gérmen de luz presente na vossa vida nova, mudai-as, sim, mas sem mudar o que elas simbolizam: o resplendor da luz da fé e da verdade» (Antologia Litúrgica, n. 3984).

No século V, os bispos celebravam revestidos de vestes de linho, ou seja, de cor branca: «Quando fazes estes votos e este pacto, então aproxima-se o pontífice, que não usa a veste habitual, nem sequer está revestido com as vestes que ordinariamente traz sobre si, mas é envolvido por uma veste de linho delicada e esplendorosa» (Antologia Litúrgica, n. 2841).

As primeiras e escassas notícias seguras que possuímos sobre algumas cores litúrgicas para além da cor branca, são do séc. VIII. No séc. XII, na obra do Papa Inocêncio III, De sacro altaris mysterio, I, n. 64, fala-se já de quatro cores, cuja escolha era feita por razões simbólicas: branca, vermelha, preta e verde.

Foram essas as cores fixadas pelo Missal de S. Pio V (1570), acrescentadas da cor roxa.


Cores litúrgicas na hora actual


O que actualmente se diz, nos documentos oficiais, sobre as cores das vestes litúrgicas, encontra-se na Instrução Geral do Missa Romano. É pouco, mas chega. Se fosse mais era capaz de ser demasiado.

Ao longo do ano, nas nossas celebrações litúrgicas, usa-se sabiamente a pedagogia das cores, para «exprimir externamente de modo mais eficaz, por um lado, o carácter peculiar dos mistérios da fé que se celebram e, por outro, o sentido progressivo da vida cristã ao longo do ano litúrgico» (IGMR 345). Acentuo as duas expressões utilizadas: as cores exprimem o carácter peculiar dos mistérios da fé e o sentido progressivo da vida cristã ao longo do ano litúrgico.

Assim, o Tempo Pascal e o Natal do Senhor celebramo-los de branco, a cor da alegria, da pureza e da luz. E o mesmo fazemos nas celebrações do Senhor, excepto as da Paixão, nas da Virgem Maria, dos Anjos e dos Santos não mártires, como participantes na Páscoa de Cristo, e nas solenidades de Todos os Santos e de S. João Baptista, nas festas de S. João Evangelista, da Cadeira de S. Pedro e da Conversão de S. Paulo (cf. IGMR 346 a).

Usamos a cor vermelha no Domingo de Ramos, na Sexta-Feira Santa, dia em que celebramos o primeiro Mártir, no Domingo do Pentecostes, o dia do Espírito, que é fogo e amor, nas celebrações da Paixão do Senhor, nas festas natalícias dos Apóstolos e Evangelistas e nas celebrações dos Santos Mártires, que pedem o vermelho, porque participaram na morte de Cristo como suas testemunhas (cf. IGMR 346 b).

A cor verde, símbolo da vida e da esperança, é aquela que se usa mais vezes durante o ano, nos domingos e dias feriais do Tempo Comum (cf. IGMR 346 c).

Usa-se a cor roxa, símbolo da dor e da penitência, no Tempo do Advento e da Quaresma, podendo também usar-se nas Missas de defuntos em vez do negro (cf. IGMR 346 d).

A cor preta, símbolo do luto na cultura europeia (mas não nas culturas orientais e africanas), pode usar-se, onde for costume, nas Missas de defuntos (cf. IGMR 346 e).

No III Domingo do Advento e no IV Domingo da Quaresma pode celebrar-se a Missa com vestes cor-de-rosa, alívio do roxo (cf. IGMR 346 f).

«Nos dias mais solenes podem usar-se paramentos festivos ou mais nobres, ainda que não sejam da cor do dia» (IGMR 346 g). É o caso dos chamados paramentos de tecido de ouro, desde que se trate de ouro verdadeiro e não de uma imitação feita com seda amarela.

Permanece aberta a porta para uma adaptação às diversas culturas, porque se trata, não só de uma certa estética simbólica, mas de ajudar, também através desta pedagogia da cor, a que os cristãos entrem mais facilmente no mistério que celebram: «As Conferências Episcopais podem, no que respeita às cores litúrgicas, determinar e propor à Sé Apostólica as adaptações que entenderem mais conformes com as necessidades e a mentalidade dos povos» (IGMR 346 g).


Utilização de vestes litúrgicas de cor azul


Pelo menos em três autores encontrei a indicação de que, em Portugal, Espanha e países da América latina podem usar-se paramentos de cor azul em certas festas de Nossa Senhora, nomeadamente na Solenidade de Nossa Senhora da Conceição.
Esta informação levou-me a entrar em contacto com o Santuário de Vila Viçosa, onde obtive as seguintes informações: a) no santuário de Vila Viçosa utilizam-se paramentos azuis na solenidade da Imaculada Conceição (8 de Dezembro), na solenidade da Assunção de Nossa Senhora ao Céu (15 de Agosto), e nas memórias de Santa Maria no Sábado (sábados do Tempo Comum em que não há memória obrigatória); b) este costume vem da tradição oral; c) o uso de paramentos azuis no santuário é um privilégio concedido por Roma; d) mas não se conhece o documento do qual isso conste; e) no Santuário de Vila Viçosa existem alguns jogos de paramentos, mas nenhum é antigo; f) os mais antigos e ricos são os brancos. Poderá tirar-se alguma conclusão segura com base nestas informações? Não sei responder.

Quanto ao uso de paramentos azuis noutras paróquias de Portugal também nada sei. Informaram-me que numa paramentaria de Fátima se vendem paramentos de cor azul, o que será sinal de que os procuram. Se por acaso possuir mais informações do que estas, agradecia que mas facultasse.

Termino completando um texto já citado acima. O bispo que o escreveu, e que se chama S. Agostinho, dizia o seguinte aos neófitos a quem falava das vestes brancas que tinham recebido no baptismo: «Filhinhos, o mais importante é que não vos mancheis com a sujidade dos maus costumes, para que, naquele dia, não vos encontreis nus e possais passar sem dificuldade do resplendor da fé ao resplendor da realidade. Quando, ao sair destas grades, que punham à parte a vossa infância espiritual vos misturardes com o povo, o que vai acontecer solenemente neste dia, uni-vos aos bons e lembrai-vos de que as más companhias corrompem os bons costumes: sede sóbrios, sede justos, e não continueis a pecar» (Antologia Litúrgica, n. 3984).

Este homem ia sempre direito ao essencial, mesmo sem deixar de falar no acidental. O nosso problema, cada vez mais comum, é que andamos todos à procura do acidental e periférico, e abandonamos o essencial. As cores das vestes litúrgicas têm a sua importância hoje; já tiveram muito mais ontem; mas começaram por ter pouca.

Uma coisa, porém, foi sempre, ainda é, e continuará a ser amanhã, depois de amanhã e até ao fim dos tempos: a urgência da santidade que não tem cor mas fica bem com todas as cores. «Sede santos em todo o vosso proceder, conforme diz a Escritura: Sede santos, porque Eu sou santo» (1 Ped 1,15-16). A santidade é a cor preferida por Deus.


Um colaborador do SNL