Questões e respostas

Atitudes e Gestos de adoração

Constatando que uma parte significativa dos fiéis permanece de pé durante o tempo da consagração (salvaguardando os que o fazem por impossibilidade física de ajoelhar), não deveria o sacerdote admoestar (pelo menos de quando em quando) para que a atitude de joelhos seja efetivamente adotada? Tem o sacerdote faculdade para indicar com que postura corporal devem os fiéis exprimir a atitude de adoração eucarística nesse momento da celebração? Há sacerdotes que substituem a genuflexão, após a ostensão das sagradas espécies, por uma simples vénia, outros que genufletem uma só vez (e nem sempre da forma gestualmente mais perfeita); o mesmo gesto, previsto antes de o sacerdote tomar na mão a Hóstia consagrada para convidar à Comunhão, é frequentemente omitido com a justificação de que é suficiente a adoração interior sem a correspondente expressão corporal. Salvaguardando, mais uma vez, o caso de impedimento por razões de saúde, estão tais gestos de adoração efetivamente prescritos (e em que documentos) ou são facultativos?

 

O consulente parece ser conhecedor da resposta às questões que apresenta. Lembramos que a resposta aqui dada não tem caráter oficial, estando o seu valor assente na autoridade dos documentos da Igreja em que se estriba e na consistência das reflexões que desenvolve.

Em relação à primeira questão, é suficientemente esclarecedora a norma do nº 43 da Instrução Geral do Missal Romano [=IGMR]: «[Os fiéis] estão de joelhos durante a consagração, exceto se razões de saúde, a estreiteza do lugar, o grande número dos presentes ou outros motivos razoáveis a isso obstarem. Aqueles, porém, que não estão de joelhos durante a consagração, fazem uma inclinação profunda enquanto o sacerdote genuflete após a consagração». Depois de indicar que as Conferências Episcopais têm competência para «adaptar à mentalidade e tradições razoáveis dos povos os gestos e atitudes indicados no Ordinário da Missa», a mesma IGMR acrescenta que «para se conseguir a uniformidade nos gestos e atitudes do corpo na mesma celebração, os fiéis devem obedecer às indicações que, no decurso da mesma, lhes forem dadas pelo diácono, por um ministro leigo ou pelo sacerdote, de acordo com o que está estabelecido no Missal».

Esclareça-se de imediato que a Conferência Episcopal Portuguesa, no uso da sua competência, manteve os gestos e atitudes indicados na IGMR como sendo conformes à nossa cultura. Prevalece assim a norma de que os fiéis, com as ressalvas apontadas (razões de saúde, estreiteza do lugar, grande número de presentes ou outros motivos razoáveis…) devem adotar a atitude de joelhos «durante a consagração». A mesma IGMR 179 prescreve que «desde a epiclese até à ostensão do cálice, o diácono permanece habitualmente de joelhos». Também o Cerimonial dos Bispos 182 prevê que, nas Missas em que preside sem celebrar a Eucaristia, «desde a epiclese até que termine a elevação do cálice, o Bispo ajoelha-se voltado para o altar, no genuflexório preparado para ele, ou diante da cátedra ou noutro lugar mais adequado». Fica assim claramente delimitado o «tempo da consagração», que abraça integralmente a epiclese e a narração da Instituição e ao qual se adequa, da parte dos fiéis, a postura de joelhos, simultaneamente implorante e adorante.

O sacerdote não tem qualquer poder especial para decidir autonomamente, à revelia do que está determinado. Mas, perante as circunstâncias de exceção previstas na IGMR, para promover a conveniente uniformidade nos gestos e atitudes dos fiéis, pode dar indicações no sentido de se adotar a atitude do corpo alternativa e o gesto de adoração previstos na norma comum. Segundo a tradição litúrgica, as indicações deste tipo competem primeiramente aos diáconos.

Quanto às genuflexões do sacerdote que preside à Eucaristia, tanto após a ostensão de cada uma das sagradas espécies, como antes de tomar na mão a hóstia consagrada para convidar à Comunhão, elas estão claramente previstas na IGMR (157, 242, 268 e 274) e no Ordinário da Missa (nn. 89, 90, 102, 103, 132, etc.). Naturalmente, pressupõe-se a capacidade física para realizar esse gesto expressivo da adoração porque «ad impossibilia nemo tenetur» [ninguém é obrigado ao impossível]. Nem sempre o reumático ou as próteses ortopédicas consentem uma genuflexão perfeita (em que o joelho direito vai ao chão) ou imperfeita…

A celebração da Eucaristia não é um mero rito, um cerimonial: é um mistério, o desígnio amoroso do Pai, consumado pelo Filho feito homem, na força e pela força do Espírito, consumado na plenitude dos tempos e presente no sacramento «todas as vezes que» se celebra o memorial desse mistério, em obediência ao mandato do Senhor e no dinamismo do seu Espírito. A Eucaristia é sempre um encontro pessoal e comunitário com Cristo Ressuscitado, realmente presente nas diversas modalidades referidas pelo Magistério da Igreja: «na própria assembleia congregada em seu nome, na pessoa do ministro, na Sua palavra e, ainda, de uma forma substancial e permanente, sob as espécies eucarísticas» (IGMR 27). «O mistério admirável da presença real do Senhor sob as espécies eucarísticas, reafirmado pelo II Concílio do Vaticano (SC 7, 47; PO 5, 18) e outros documentos do Magistério da Igreja, no mesmo sentido e com a mesma doutrina com que o Concílio de Trento o tinha proposto à nossa fé (DS 1635-1661), é também claramente expresso na celebração da Missa não só pelas próprias palavras da consagração, em virtude das quais Cristo se torna presente por transubstanciação, mas também pelo sentido e pela expressão externa de suma reverência e de adoração de que é objeto no decurso da liturgia eucarística» (IGMR 3). E não é só em momentos particulares do ano litúrgico, como em Quinta-Feira Santa ou na Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo que esta adoração pessoal e comunitária se deve exprimir de forma concreta – sensível, corpórea –, mas sempre que se celebra o mistério eucarístico e também noutras formas de culto eucarístico fora da Missa. De facto a presença real de Cristo nas espécies consagradas é permanente, isto é, persiste com toda a sua verdade enquanto persistirem as sagradas espécies, habitualmente reservadas no Sacrário das nossas Igrejas.

É por isso que a IGMR e o Ordinário da Missa preveem e prescrevem atitudes e gestos expressivos da adoração, tanto aos ministros sagrados – sacerdote que preside, concelebrantes, diáconos – como a todos os demais fiéis. E é importante que essas atitudes e gestos sejam fielmente observados.

Faz-nos falta «formação litúrgica». Não apenas uma instrução teórica, mas uma verdadeira educação, segundo o exemplo dado pelo Papa Francisco na Carta Apostólica Desiderio desideravi no n. 47: «Penso nos pais e, mais ainda, nos avós mas também nos nossos párocos e catequistas. Muitos de nós aprenderam precisamente com eles a força dos gestos da liturgia, como por exemplo o sinal da cruz, o estar de joelhos, as fórmulas da nossa fé. É possível que já não nos lembremos bem, mas facilmente podemos imaginar o gesto de uma mão maior que toma a mão pequena de uma criança e a acompanha lentamente no traçar pela primeira vez do símbolo da nossa salvação. Ao movimento juntam-se as palavras, também elas lentas, quase a querer tomar posse de cada instante daquele gesto, de todo o corpo: “Em nome do Pai … e do Filho … e do Espírito Santo … Amen”. Para depois deixar a mão da criança e vê-la a repetir sozinha, prontos a ajudá-la, aquele gesto acabado de entregar, como uma veste que crescerá com ela, vestindo-a no modo que só o Espírito conhece. A partir daquele momento aquele gesto, a sua força simbólica, pertence-nos ou, talvez seja melhor dizer, nós pertencemos àquele gesto que nos dá forma, somos formados por ele. Não são precisos muitos discursos, não é necessário ter compreendido tudo daquele gesto: é preciso ser-se pequenino quer no entregá-lo quer no recebê-lo. O resto é obra do Espírito. Assim fomos iniciados na linguagem simbólica. Desta riqueza não podemos deixar-nos despojar. Crescendo poderemos ter mais meios para poder compreender, mas sempre na condição de continuarmos pequenos».

Não podemos deixar de deplorar a negligência a que se assiste neste campo da educação/formação litúrgica nas nossas catequeses. Raros são os catequistas que se esmeram na educação das crianças para fazerem bem a genuflexão. Contentam-se com uma vénia que de modo algum tem uma capacidade equivalente para exprimir o sentido da adoração. Veja-se a diferença claramente expressa em IGMR 274 e 275.

Relembremos o grande educador/mistagogo da juventude que foi Romano Guardini:
«O que faz uma pessoa quando se enche de orgulho? Endireita-se, levanta a cabeça, apruma os ombros, o corpo todo. Tudo nele clama: “Sou maior do que tu! Sou mais do que tu”! Ao contrário, quando alguém é humilde de sentimentos e se sente pequeno, inclina a cabeça, dobra-se todo, “abaixa-se”. E tanto mais profundamente o faz, quanto maior é aquele diante de quem está, ou quanto menos ele próprio valer a seus olhos. Mas onde sentimos nós mais claramente quão pouco somos do que quando estamos diante de Deus? … O Deus santo, puro, justo, infinitamente sublime... Como Ele é grande… e como eu sou pequeno! Tão pequeno que de modo nenhum me posso comparar com Ele, que diante d’Ele sou um nada! Não é verdade – evidente em si mesma – que não se pode estar diante de Deus em atitude de altivez? “Tornai-vos pequenos”; quando quer diminuir o seu tamanho, a fim de não se apresentar com tanta presunção, o homem ajoelha-se. E se para o seu coração isto ainda não bastar, pode até prostrar-se. Assim profundamente inclinada, a pessoa diz: “Tu és o Deus grande; eu, porém, sou nada”.

Quando dobrares o joelho, não o faças apressadamente e de forma descuidada. Dá alma ao teu ato! E que a alma do teu ajoelhar consista em inclinar também o coração diante de Deus, em profunda reverência. Quando entrares ou saíres da igreja ou passares diante do altar, dobra o joelho profunda e lentamente e que todo o teu coração acompanhe este fletir. Isso há de significar: “Meu Deus altíssimo!...”. Isto sim que é humildade e verdade, e fará sempre bem à tua alma» (GUARDINI, Sinais Sagrados, Fátima SNL 2017, p. 17-18).

Resposta dada por um membro do SNL