Questões e respostas
Sinal da Cruz na proclamação do Evangelho
Na celebração da Eucaristia o Sacerdote que lê o Evangelho faz o sinal da cruz. E a assembleia também faz, isto é, nem todos fazem.
Devo dizer-lhe que a sua pergunta pertence ao número daquelas às quais não se deve responder com um sim ou com um não absolutos. É preciso fazer algumas distinções, para que no fim tudo fique mais claro (esperamos que não fique mais escuro).
Como sabe, os livros litúrgicos são preparados e editados, em latim, pela Congregação do Culto Divino. É a partir dessas edições latinas que se preparam as edições nas diversas línguas vernáculas dos vários países do mundo. Estas edições são então aprovadas pelas respectivas Conferências Episcopais, e confirmadas pela referida Congregação. A partir desse momento, a edição em língua vernácula, passa a ter valor de edição “típica” para o respectivo país.
No caso do Missale Romanum, a primeira edição típica, em latim, foi publicada em 1970; passado cerca de um ano apareceu uma segunda edição; e no ano 2000 uma terceira. Pergunta-se: será que o texto dessas três edições é absolutamente igual? De modo nenhum. Há diferenças. Vejamos aquelas que têm a ver com a sua pergunta.
O Missale Romanum (edição latina) traz, logo nas primeira páginas, a Instrução geral do Missal Romano (=IGMR), documento onde se explica tudo o que se refere à celebração da Missa.
Na primeira edição típica do Missal, a Instrução geral dizia assim no número 95 (em latim): «Tendo chegado ao ambão, o sacerdote abre o livro e diz: O Senhor esteja convosco... e a seguir Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo... fazendo o sinal da cruz sobre o livro e sobre si mesmo na fronte, na boca e no peito». Não dizia mais nada.
Na terceira edição típica do mesmo documento, o número correspondente ao antigo 95 é o 134, onde se diz agora: «Tendo chegado ao ambão, o sacerdote abre o livro e, de mãos juntas, diz: O Senhor esteja convosco... e a seguir Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo... fazendo o sinal da cruz sobre o livro e sobre si mesmo na fronte, na boca e no peito, e todos fazem o mesmo».
O novo texto acrescentou, portanto, duas coisas ao primeiro, que vão indicadas a verde. Uma refere-se ao gesto que o sacerdote deve fazer quando diz a saudação O Senhor esteja convosco. Deve manter as mãos juntas, e não, como fazem muitos diáconos e sacerdotes, abrir e fechar os braços. Outra diz respeito aos gestos dos fiéis, quando o sacerdote faz o sinal da cruz sobre o livro e sobre si mesmo na fronte, na boca e no peito. Todos os que estão presentes na celebração, fiéis ou outros sacerdotes, devem fazer o mesmo, isto é, devem fazer o sinal da cruz na fronte, na boca e no peito, sem dizer nada.
Atenção, porém, a uma coisa importante: a nova edição do Missal Romano em português (que corresponderá à 3ª edição típica latina) ainda não foi publicada. Está a ser preparada. O Missal que continua a ser usado, na celebração da Missa, é o antigo. Só quando aparecer a nova edição em português é que as mudanças se tornarão norma a seguir por todos.
Espero que tenha compreendido a razão pela qual escrevi mais acima que não se deve responder à sua pergunta com um sim ou com um não absolutos. Há que ter paciência e aguardar. A seu tempo, tudo ficará no lugar. Entretanto, deixe que cada um faça como entende.
Já agora, para ser completo, devo acrescentar mais uma coisa. Limitei-me a citar o texto latino da Instrução geral (em tradução portuguesa). Nada disse acerca do Ordinário da Missa que faz parte do Missal Romano. Na sua edição típica latina, o texto da 1ª edição e da 3ª são exactamente iguais quando descrevem o modo como se proclama o Evangelho: «Deinde, diaconus, vel sacerdos, ad ambonem pergit... et dicit: Dominus vobiscum... Lectio sancti Evangelii... et interim signat librum et seipsum in fronte, ore et pectore».
Se consultarmos a edição portuguesa do Ordinário da Missa (que vem no Missal Romano), verificamos que o texto correspondente à proclamação do Evangelho sofreu uma ligeira mas importante modificação em relação ao da edição típica latina: «A seguir, o diácono ou o sacerdote, dirige-se para o ambão... e diz: O Senhor esteja convosco... Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo... e, ao mesmo tempo, faz o sinal da cruz sobre o livro e depois sobre si mesmo na fronte, na boca e no peito; e o mesmo fazem todos os demais».
Se reparar, o que a edição portuguesa do Ordinário da Missa mandava fazer em Portugal, em 1992 (ano da publicação do Missal, entre nós), é o que manda fazer agora a Instrução geral em todo o mundo católico. Quer dizer: nós não somos assim tão “maus” em tudo, como às vezes se diz. Neste caso, até “adivinhámos” o que Roma viria a mandar fazer 30 anos depois (1970-2000).
Porém, nem toda a gente concordou com a modificação introduzida por Portugal no Ordinário da Missa. Porquê? Porque a Instrução geral não dizia isso em parte nenhuma. Desse modo, em dois lugares do Missal diziam-se coisas diferentes. Ou melhor: na Instrução geral não se dizia nada, o que queria dizer que os fiéis não deviam fazer nenhum sinal da cruz, quando se proclamava o Evangelho, ao passo que no Ordinário da Missa se dizia que os fiéis deviam fazer o sinal da cruz na fronte, na boca e no peito, mas esse texto não correspondia ao que se dizia em latim. Quem estava certo? A Instrução, que trazia o texto para todo o mundo, ou o Ordinário da Missa, cujo texto era só para os países de língua oficial portuguesa, excepto o Brasil?
Nesses anos, o Secretariado Nacional de Liturgia participava ou organizava Encontros de liturgia não só a plano nacional, mas também nas Dioceses que lhe pediam esse serviço. Muitas vezes nos faziam perguntas no sentido de esclarecer a divergência de que estamos a tratar. A resposta que então se dava era esta: faça cada um como entenda, mas não vale a pena declarar guerra por isso. Há quem goste de fazer o sinal da cruz e há quem não goste. Uns e outros têm razão, porque está mandado num lado e não o está noutro.
Daqui por alguns meses tudo ficará resolvido, pelo menos a nível de textos, quando aparecer a nova edição, em português, do Missal Romano. Portugal irá tirar do Ordinário o que aí acrescentou por sua iniciativa; mas em todo o mundo passarão a fazer-se os sinais da cruz na fronte, na boca e no peito, porque assim o diz a nova edição da Instrução geral.
Um colaborador do SNL